Dream Theater – A Dramatic Turn of Events

Banda mostra que superou bem a perda de seu principal compositor.

Muitas vezes a frase “o lançamento mais esperado do ano” é descaradamente mentirosa e visa, única e exclusivamente, promover algum produto que, muitas vezes, é bastante meia-boca. Outras vezes, a frase é apenas o principal suporte de uma campanha de marketing que visa alavancar a divulgação – e, consequentemente, as vendas – do dito produto. Em algumas raras ocasiões, e dentro de nichos específicos, no entanto, a frase tem uma certa coerência. No mundinho do metal progressivo, o novo álbum de estúdio do Dream Theater, “A Dramatic Turn of Events” faria valer essa frase, caso ela fosse associada ao produto. E aqui, ela se justificaria simplesmente pelo fato de “A Dramatic Turn of Events” ser o primeiro álbum do Dream Theater em vinte cinco anos sem contar com a presença de Mike Portnoy, baterista, compositor, produtor, principal mente criativa, porta-voz, relações públicas, enfim, a força motriz por trás da banda.

Mike Portonoy criou o Dream Theater junto com o guitarrista John Petrucci e o baixista John Myung nos idos de 1980 com o nome Majestic. Pouco depois adotaram a alcunha de Dream Theater e, nas duas décadas seguintes, arregimentaram alguns dos fãs mais leais e radicais do rock. Devido à sua personalidade expansiva, em contraste com a mais introverdida de seus companheiros de banda, logo Portnoy tomou as rédeas do grupo de uma maneira que, parecia a todos os que estavam de fora, bastante natural. Eram suas as idéias que, principalmente, moldaram a sonoridade e a imagem do Dream Theater como a conhecemos hoje. Há até 2 anos atrás imaginar o Dream Theater sem Mike Portnoy seria o mesmo que, guardadas todas as devidas proporções, pensar nos Rolling Stones sem Mick Jagger ou Keith Richards.

A coisa começou a ficar estranha no Dream Theater quando, no segundo semestre do ano passado, o Avenged Sevenfold – que passou pelo Brasil para tocar no esquisito festival SWU – anunciou que Portnoy tinha topado excursionar com a banda, substituindo seu ex-baterista, morto meses antes. Empolgado, Portnoy ingressou na turnê com o Avenged e, na volta, fez uma proposta, no mínimo, polêmica e que quase nunca dá certo no mundo do rock, aos seus companheiros de DT (além dos supracitados Petrucci e Myung, completam o time o vocalista James LaBrie e o tecladista Jordan Rudess): Portnoy queria que o grupo “desse um tempo”, uma parada para “recarregar as energias” e lhe desse tempo para se dedicar aos seus inúmeros projetos – dentre eles, o sensacional Transatlantic. O mesmo valeria para os demais membros, já que tanto LaBrie quando Rudess vira e mexe lançam álbuns solos. (E aqui cabe um parêntese: “Static Impulse”, álbum solo de LaBrie lançado ano passado figura na lista de melhores do ano de qualquer fã de rock “pesado” ou metal que se preze).

Inicialmente, Portnoy queria que o Dream Theater parasse indefinidamente o que, muitas vezes, significa o fim de uma banda. Petrucci, Myung, LaBrie e Rudess recusaram a proposta, até porque a banda tinha planos de entrar em estúdio em janeiro de 2011 para produzir e gravar seu próximo álbum. “Indefinidamente” logo se tornou “dois anos”. Na teoria de Mike, dois anos era o que todos os membros do Dream Theater precisavam para voltar a se entrosar especialmente fora do palco. Novamente, a idéia não foi bem recebida e Portnoy anunciou na Internet que, a partir de 8 de setembro de 2010, ele estaria fora da banda.

O anúncio deu margem a diversas opiniões, como sempre acontece em casos de separação, mesmo que ela seja, teoricamente, amigável: alguns diziam que Portnoy estava certo em querer que o DT desse um tempo, boa parte criticou sua atitude de querer que os demais membros da banda ficassem esperando ele voltar a querer tocar com eles e uma porção menor acreditava que tudo não passava de um golpe de marketing. O Dream Theater logo começaria audições para um substituto e, no fim, anunciaria a volta do filho pródigo.Não foi bem isso que aconteceu e o destino de Mike Portnoy será tema de outra resenha aqui mesmo em Sounds of Asgard.

O fato é que, depois de uma extensa busca e de testar diversos bateristas – inclusive o “polvo” brasileiro Aquiles Priester (ex-Angra, atual Hangar) – o Dream Theater anunciou que o quase desconhecido Mike Mangini assumiria a difícil tarefa de conduzir as baquetas da banda. Já substituir as demais funções de Portnoy na máquina do Dream Theater não foi tão fácil, ainda que menos traumático. Petrucci, Rudess e LaBrie, em proporções diferentes, assumiram as funções de Portnoy no que dizia respeito à comunicação com o público. Rudess e Petrucci já eram colaboradores bastante ativos, fosse no que dizia respeito às letras, fosse às composições em si e o guitarrista acabou tomando a frente e assinando, pela primeira vez sozinho, a produção de um trabalho do Dream Theater. Geralmente a produção era dividida entre ele e Portnoy.

Por tudo isso dito nos parágrafos acima é que sinto-me seguro em dizer que, pelo menos dentre os apreciadores e fãs de metal progressivo, “o lançamento mais esperado do ano” é uma frase que se encaixa como uma luva em “A Dramatic Turn of Events”. E, para o bem ou para o mal, o álbum faz jus à expectativa.

Apesar da influência de Portnoy ter sido decisiva para moldar a sonoridade do Dream Theater, o fato é que sua falta não se faz sentida no novo álbum. Rudess e Petrucci assumiram a maior responsabilidade pela composição das nove faixas do álbum – quatro delas com duração acima de 10 minutos – de forma que seus desempenhos se sobressaem. Não que a bateria tenha sido relegada, muito pelo contrário, Mangini se prova um instrumentista bastante preciso, ora batendo pesado, ora sendo melodioso, ora esbanjando técnica. O que muda aqui é que, em “A Dramatic Turn of Events” ele fez o papel de um músico contratado, já que as partes que lhe cabem foram compostas e programadas por Petrucci. Coube a Mangini reproduzir – com perfeição – o que o guitarristas havia programado em um computador.

Uma característica que se percebe em “A Dramatic Turn Of Events” é que fazia tempo que a música do Dream Theater não soava tão melodiosa e tão progressiva. Experiências em querer ser “mais pesado do que o Pantera” presenciadas em músicas como “The Shattered Fortress” e “Dark Eternal Night” passam longe daqui. O que se priorizou aqui são as famosas passagens intricadas e virtuosas, com solos e riffs assombrosos de Petrucci e o teclado de Jordan quase que onipresente, trazendo até mesmo passagens épicas às músicas, coisas que, novamente, há tempos não se via em um trabalho do Dream Theater.

A faixa de abertura, “On the Backs of Angels”, a candidata a clássico “Breaking All Illusions” e as baladas “This is the Life” e “Beneath the Surface” são exemplos da versatilidade da banda, uma variação que culmina em “Lost Not Forgotten”, talvez a mais elaborada de todo o álbum. Além do trio Petrucci/Rudess/Mangini, é necessário destacar o trabalho fabuloso de James LaBrie que continua mostrando uma excelente evolução a cada álbum da banda. Quem escuta o “patinho feio” hoje não consegue associá-lo aos seus primeiros trabalhos na banda. O baixista John Myung, novamente, tem seu instrumento em segundo plano mas brilha quando seu trabalho fica em evidência.

Em resumo, “A Dramatic Turn Of Events” mostra que, mesmo sem sua principal força criativa, o Dream Theater continua em sintonia com seus fãs e prova mais uma vez o porquê de ser o “monstro” que é no mundo do metal progressivo.

Nota: 9/10

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